Ruptura entre PCC e Comando Vermelho pode gerar 'carnificina', diz pesquisadora
- Há 8 horas
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| Mortes de detentos seriam fruto de rompimento de uma aliança entre as duas maiores facções criminosas brasileiras, |
As mortes de ao
menos 18 detentos em prisões de Rondônia e Roraima nos últimos dias
podem ser os primeiros efeitos de uma importante reconfiguração do crime
organizado brasileiro, diz a socióloga Camila Nunes Dias, professora da
Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo.
Autoridades
dos dois Estados atribuiram as mortes ao rompimento de uma aliança entre
as duas maiores facções criminosas brasileiras, que
hoje atuam em todas as regiões do país: o Primeiro Comando da Capital
(PCC), grupo surgido em São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), originário
do Rio de Janeiro.
Autora de "PCC: Hegemonia nas prisões e
monopólio da violência", Dias afirma à BBC Brasil que a facção paulista e
o CV mantinham um pacto para a compra de drogas e armas em regiões de
fronteira e para a proteção de seus integrantes em prisões controladas
pelos grupos.
Ela
afirma que o fim da aliança - que pode ter ocorrido por uma disputa
pelo controle de presídios - poderá gerar mais mortes em penitenciárias e
acirrar as tensões também nas ruas.
Leia os principais trechos da entrevista da pesquisadora à BBC Brasil.
BBC Brasil - O que pode ter motivado as mortes recentes nos presídios em Rondônia e Roraima?
Camila Nunes Dias -
As informações ainda são muito escassas, mas está claro que houve uma
ruptura entre o PCC e o CV. Pelo que tenho acompanhado, a ruptura está
ligada à dinâmica expansionista das facções dentro dos presídios. Desde
julho se tem notícia de ameaças mútuas entre CV e PCC nas prisões, mas
até então essa tensão não tinha resultado em mortes. Parecia que os
grupos estavam tentando evitar uma ruptura.
Neste fim de semana,
70 presos do PCC foram transferidos de unidades prisionais controladas
pelo CV para prisões controladas pela ADA (Amigos dos Amigos, segunda
maior facção do Rio de Janeiro). Isso é muito surpreendente e muda
completamente o xadrez do sistema prisional do Brasil inteiro.
Essa
reconfiguração também cria a possibilidade de que o PCC atue ao lado da
ADA contra o CV na guerra por territórios do Rio de Janeiro. Não sei se
para o PCC valeria a pena - eles teriam um desgaste muito grande em
termos de pessoal, custos, armas -, mas a possibilidade está posta.
BBC Brasil - Quais consequências essa ruptura poderá ter nas demais partes do país?
Dias -
Em São Paulo, não vejo nenhum grande impacto - talvez no litoral, onde
há presença mais significativa do CV. Mas nos outros Estados a
consequência imediata pode ser uma maior violência nas prisões, como
ficou claro em Rondônia e Roraima. Pode haver maior instabilidade no
sistema prisional do Brasil inteiro, principalmente no Norte e Nordeste,
onde há um equilíbrio de poder entre os dois grupos dentro e fora das
prisões.
Recentemente, gangues de rua do Ceará e do Rio Grande do
Norte celebraram um pacto de paz para não haver mais mortes. Há
informações de que esse pacto teria sido costurado pelo PCC e pelo CV.
Com essa ruptura, não sabemos se vão manter o pacto. Geralmente as
disputas nas prisões acabam reverberando nas ruas, então a situação nos
Estados pode tensionar ainda mais.
BBC Brasil - Qual o tamanho do PCC e do CV fora de seus Estados de origem hoje?
Dias -
O PCC e o CV são hoje os dois principais grupos que atuam no tráfico de
drogas e no controle das unidades prisionais no Brasil. Há mais de dez
anos eles vêm se expandindo além de seus Estados de origem.
O CV é
mais antigo que o PCC. Ele surgiu no fim dos anos 1970, enquanto o PCC é
de 1993. Mas hoje o PCC é bem mais forte em termos de organização e
estrutura que o CV. O PCC está presente em todos os Estados do país. Em
alguns, como São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná, ele tem hegemonia e
é praticamente o único grupo criminoso a atuar.
O CV, além de
atuar no Rio de Janeiro, tem hegemonia em Mato Grosso e Tocantins. No
Norte e no Nordeste, há um maior equilíbrio entre PCC e CV, com ligeiro
predomínio de um ou de outro. No Sul, grupos locais têm mais força, e
PCC e CV se colocam como aliados ou inimigos desses grupos.
BBC Brasil - Como PCC e CV se aliaram?
Dias - Desde
o surgimento do PCC e do primeiro estatuto do grupo, escrito entre 1996
a 1997, já havia a ideia de buscar uma aliança com o CV. Inclusive o
lema do CV, "Paz, Justiça e Liberdade", também foi adotado pelo PCC.
Essa
aliança nunca foi ideológica, mas sim comercial e por conveniência.
Quando um membro do PCC era preso em áreas controladas pelo CV, recebia a
proteção do CV nas prisões dominadas por esse grupo. E vice-versa.
Os
dois grupos também faziam uma espécie de consórcio para a aquisição de
mercadorias - como armas, maconha e pasta base (matéria-prima da
cocaína) - e para negociar melhores preços com fornecedores nas
fronteiras.
Nunca houve nada além disso. Na cúpula que fundou o
PCC, alguns membros tinham o ideal de criar uma união nacional do crime,
mas isso nunca foi adiante.
BBC Brasil - O que impediu uma aproximação maior entre PCC e CV?
Dias -
Membros do PCC sempre dizem que o CV busca muito a guerra, está muito
preocupado com armas, enquanto eles, do PCC, dizem buscar a paz.
Mas
os dois grupos têm histórias bem diferentes, que ajudam a explicar as
diferentes formas de operar. Menos de cinco anos após o surgimento do
CV, houve uma dissidência que deu origem ao Terceiro Comando (atual
Amigos dos Amigos, ou ADA). Essa dissidência, aliada à especificidade
geográfica do Rio de Janeiro, fez com que o CV nunca fosse um grupo
hegemônico e desde o início estivesse envolvido em guerras por disputa
de territórios. Isso impediu que o CV fosse forte como o PCC.
Em
São Paulo, o PCC enfrentou dissidências em seus primeiros dez anos, mas
conseguiu sufocá-las ou eliminar os grupos rivais, que ficaram reduzidos
a penitenciárias específicas, sem expressão fora das prisões.
Nos
pontos de venda de droga do PCC em São Paulo, o grupo proíbe o uso de
armas. Isso só é possível por conta da hegemonia do PCC, por não haver
grupos rivais que imponham algum risco àquele comércio. No Rio, essa
atitude seria impensável.
BBC Brasil - Há diferenças na maneira como as duas facções operam fora de suas bases?
Dias -
De dez anos para cá, o CV passou por momentos em que esteve bem
enfraquecido por conta das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora,
política do governo do Rio que instalou dezenas de bases policiais em
áreas controladas pelo tráfico) e das disputas com a ADA.
Mas nos
últimos anos o CV se fortaleceu novamente e passou a se expandir para
outros Estados. Diferentemente do PCC, o CV não atua de maneira
centralizada fora do Rio. Suas unidades em outros Estados agem como
franquias, elas não precisam se submeter às ordens do Rio.
Já o
PCC no Acre, no Paraná ou em qualquer outro lugar do Brasil está dentro
de uma estrutura unificada. São células que atendem às diretrizes da
cúpula. As ordens que saem de São Paulo são atendidas em todos os
Estados.
BBC Brasil - Essas facções são tão poderosas
quanto os cartéis colombianos dos anos 1990, como o que era chefiado por
Pablo Escobar?
Dias - A diferença
principal entre os grupos reside no tamanho de seus mercados. Os cartéis
colombianos, assim como os cartéis mexicanos de hoje, têm como
principal alvo o maior mercado consumidor de drogas do mundo, os Estados
Unidos.
O PCC e o CV atuam basicamente com o mercado brasileiro.
Os dois grupos estão no Paraguai e na Bolívia, mas essa presença é
muito mais um ponto de contato com fornecedores do que um controle de
todas as etapas do comércio.
Já os cartéis colombianos se envolviam com o controle
da produção, do processamento, do transporte e da venda das drogas. Essa
diferença de magnitude fez com que os cartéis colombianos tivessem
outra estrutura interna, outra organização hierárquica, e até outro
nível de infiltração no poder político.
BBC Brasil - O que o poder público pode fazer diante da ruptura entre as facções?
Dias -
Em termos imediatos, atender às demandas por transferências de presos,
porque se não atender vai haver uma carnificina, como em Roraima e
Rondônia. No longo prazo, se quiser enfrentar o problema, não poderá
fugir de uma política de descarcerização.
A resposta do poder
público nas últimas décadas tem sido sempre equivocada. Constróem-se
mais prisões, mas esse investimento não vem acompanhado de investimentos
no sistema penal como um todo, como na contratação de agentes de
segurança. Houve um aumento gigantesco da população carcerária e também
um aumento na relação entre presos e funcionários. Em prisões de São
Paulo, temos muitas vezes um funcionário para cada 300 presos, situação
que se reproduz em outras partes do país.
É evidente que o
Estado não controla a população carcerária. Quem exerce o controle nas
cadeias são as facções. Isso vale para o país todo. O Estado é conivente
com isso - e mais do que isso, o Estado depende do controle das facções
para continuar mantendo sua política de encarceramento.
Com as
atuais taxas de encarceramento e superlotação dos presídios, não há
nenhum tipo de política prisional que vá dar conta disso. Deve-se
reservar a prisão apenas para quem cometer crimes violentos e adotar de
maneira efetiva alternativas penais, como a tornozeleira eletrônica não
só para presos do regime semiaberto, mas para evitar que quem cometa um
furto vá para a prisão.
Também deveria haver uma discussão séria
sobre a descriminalização das drogas. Mas tenho certeza de que isso não
vai ocorrer e vão adotar apenas medidas paliativas. Logo um novo
equilíbrio vai se impor no sistema prisional e seguiremos até a próxima
crise.
Fonte: http://www.bbc.com


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